Culpa e dívida: o preço por existir e desejar
- Marilia Antunes
- 21 de fev.
- 2 min de leitura
Atualizado: 29 de abr.

" Primeiro a obrigação, depois a diversão.” Quem nunca escutou em algum momento da infância (e, por que não, da vida adulta) a frase tão comum em nossa cultura que, de tão presente no imaginário, é considerada um dito popular? Na relação que se estabelece entre prazer e dever, desde cedo, aprendemos que há algo a se pagar. Podemos dizer que muitas dinâmicas e enlaces vividos no tempo presente são atualizações da nossa dívida simbólica. Dívida essa, estrutural, uma dívida de vida, que a psicanálise entende como originária, para com o outro que nos trouxe ao mundo, que tornou nossa vida possível.
Em Totem e Tabu, Freud traz o mito do assassinato do pai primordial, o rompimento com a autoridade paterna, como um acontecimento que perpetua a culpa na cultura. A partir disso, está estabelecida a relação entre culpa e uma dívida simbólica que se atualiza sempre que nos desviamos de um ideal que nunca será alcançado. É esse sentimento de culpa que dá origem ao mal-estar na civilização, que, se por um lado gera sofrimento psíquico, por outro, torna possível a vida dita civilizada, segundo Freud “edificada à custa de impulsos sexuais inibidos pela sociedade, que em parte são reprimidos, é verdade, mas, por outro lado, são utilizados para outros objetivos”. O conflito entre o desejo e a lei, superego e id.
Se eu não estou em dívida com o mundo, é o mundo quem me deve: reconhecimento, afeto, um lugar de pertencimento. Como equilibrar essa conta que nunca fecha? Uma dívida que aos olhos da psicanálise seria impagável, porque sempre há algo que falta, que nunca se completa totalmente. Nessa linguagem tão atravessada por termos que simbolizam soluções definitivas – liquidar, quitar, saldar, fechar as contas –, é preciso buscar saídas que passem menos pela noção de algo a ser completamente liquidado, e mais pela ideia do desejo como algo da ordem do não-todo, em que há algo que sempre escapa, mas ao mesmo tempo, impulsiona nosso desejo.
Referências: Christian Dunker, Podcast Falando Nisso – Como lidar com as dívidas? FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. 1913.
FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. 1930.
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